18/06/2010

O Solitudo, Sola Beatitudo

Correndo para atingir o inalcançável, foi exatamente desta maneira que eu vivi minha vida. Sempre busquei dar o meu melhor para que, enfim, chegasse ao meu objetivo e por todo o momento eu esperei, esperei e esperei. Nada. Esperei para simplesmente nada. Eu também não deveria estranhar, não é? Meus planos nunca deram certo mesmo... Ou se deram, esqueceram de me avisar.

Entreguei o dinheiro da consulta a secretária do meu psicanalista daquela semana, era a última vez que eu ia àquele lugar. Estava na hora de procurar outro, este era o quinto que eu consultava e era o quarto que alegava minha loucura e insistia em dizer que eu deveria consultar um psiquiatra e talvez eu realmente devesse.

Uma vez, um deles milagrosamente falou-me que eu era uma pessoa normal, isso havia me reconfortado por um tempo e eu pretendia continuar indo a ele se três dias depois eu não descobrisse que ele havia cometido suicídio porque estava louco.

Suspirei. Eu estava fora de mais uma clinica mais outra vez. Quantas seriam necessárias? Questionei-me e segui em frente como sempre fazia, eu devia ir para casa e procurar outro psicanalista ou psicólogo na internet ou na lista. Não era o método mais adequado para se procurar e, talvez, eles não fossem os melhores, certamente não eram.

Todos os que me julgavam louca concordavam em um ponto único: até para uma louca, eu fujo aos padrões. Talvez eu apenas seja isso, uma pessoa fora dos padrões e, isso assuste aqueles que conseguem conviver nessa sociedade medíocre e hipócrita em que vivemos. Talvez observar o mundo com um olhar crítico seja a loucura dos lúcidos. Não aceitar certos conceitos que a sociedade alega serem os corretos seja errado, isso deve me fazer louca aos olhos dos outros, mas aos meus eu sou apenas lúcida. Eu apenas me libertei. Será que a liberdade é errada?

As pessoas sempre me evitavam quando eu caminhava pelas ruas, não sei se minha aura transmite o que eu penso. Será todos ao meu redor conseguiam sentir todo asco que eles emitem para mim?  Odeio humanos, odeio admitir que eu pertença a esta espécie. Se ao menos não fossem tão corruptos em seus valores, se ao menos não destruíssem a vida por uma quantia barata, se conseguissem perceber que qualquer tipo de vida deveria ser respeitado... Qualquer um. Mas como não são, acho que todos deviam morrer.

Coloquei a chave na fechadura e abri a porta para o meu mundo, onde eu poderia ser apenas eu. Fechei a porta e as janelas assim que entrei. Eu não queria que qualquer coisa do mundo fora do meu adentrasse e destruísse tudo o que eu construí para a minha paz, para viver em paz. Joguei-me no sofá e ouvi apenas o silêncio de tudo. Eu pensei sobre minha vida até ali. Sobre meus sonhos até ali. Todos os poucos relacionamentos que tive. Homens e mulheres que passaram pela minha vida e sentiram minha paixão. Mas nenhum deles sequer permaneceu em mim, nenhum deles pôde entender o que eu sentia, e todos tentaram me colocar rédeas. Nenhum conseguiu e ninguém conseguiria. Quem nasceu pra voar não permanecerá atado a alguém que tem seus pés presos no chão.

Levantei e me dirigi para o computador, o sofá chamava-me de volta e eu quase cedi. Ele costumava ser bem persuasivo quando queria. Mas o dever me chamava, eu precisava de outro psicanalista... Apesar de quase todos me chamarem de louca, era um dos poucos momentos em que eu podia conversar com alguém, um humano. De certa forma eu preferia assim, pagá-los para conversar comigo. Era melhor e mais ético.

Em minha vida eu não pretendo ter um lugar para voltar, não me permito voltar a lugar algum, ou melhor, eu não quero voltar... Isso me lembra regredir. Então tudo o que eu posso fazer é apenas seguir em frente. Peguei meu maço de cigarros e escolhi o sétimo começando a contar da última fileira como sempre fazia. Coloquei na boca e fiquei com ele apagado por alguns minutos, o isqueiro estava muito longe e eu estava com preguiça de pegar. Passado cinco minutos, eu me rendi e fui atrás dele. O desejo do vício falava mais alto que a preguiça. Acendi o cigarro e apanhei uma garrafa de cerveja na geladeira. Arranquei a tampa e bebi no gargalo mesmo. Voltei para o computador e imprimi o endereço do próximo psicanalista que eu iria me consultar e ser chamada de louca mais uma vez. Todos alegavam que eu possuía certas características de transtorno de personalidade anti-social, pura besteira... Só porque desprezo a nossa sociedade hipócrita e todas as leis feitas por pessoas mais hipócritas ainda?

Joguei o papel com o endereço na mesinha de centro da sala e me atirei no sofá novamente, dei mais um gole na cerveja e mais uma tragada no cigarro e fiquei mirando o teto azulado da minha sala, por alguns segundos lembrei-me da minha infância. Sempre desprezei as pessoas em geral, talvez porque meu pai sempre espancava a mim eminha mãe quando voltava bêbado, talvez por isso, de certo modo, eu detestava os homens e como minha mãe também permitia tudo aquilo logo eu passei odiar a ela também. Por isso eu costumava fugir muito de casa, foi em uma dessas fugas que conheci a bebida e o cigarro. Assim, eu fui crescendo e fui vendo como as leis não passavam de piadas, a justiça não era mais válida. A dor alheia não me afetava, para falar a verdade, nem a minha própria dor. Se todos eram indiferentes, por que eu deveria me importar? Eu até me acostumei com ela, é mais real...

Traguei mais uma vez e cuspi a fumaça.

Lembrei-me de uma vez, quando era mais nova, uma menina  havia roubado uma borracha minha; depois que ela revelou-me o seu ato, forcei-a a dizer onde ela havia colocado, assim que peguei a borracha novamente grampeei a mão dela com o grampeador da professora. A professora não acreditou muito em mim quando eu disse que foi sem querer... Realmente não havia sido. Mas depois acabou entendendo o meu ponto de vista ‘inocente’ e não mandou um recado para meus pais. Eu prometi que seria mais cuidadosa, e seria mesmo, da próxima vez ela não me pegaria. Sorri cínica. Minhas habilidades de ludibriar sempre foram boas e com o tempo só se aperfeiçoaram. Se o mundo inteiro mentia para mim porque eu não poderia mentir de volta para eles?

Mais um, dois, três goles de cerveja.

Eu não havia feito nada de errado? Havia? Apenas puni uma ladra. Fiz apenas justiça. Minha justiça... Eu nunca sentiria remorso por aquilo e nem por outras coisas que fiz. Se eu pudesse faria tudo novamente, talvez de uma forma pior. Um sorriso contornou os meus lábios e eu traguei o cigarro mais algumas vezes até ele terminar. Repeti o processo de escolha e peguei outro no maço. Acendi-o e traguei mais uma vez, assoprei a fumaça e a vi desaparecendo no ar, quando terminasse aquele cigarro ligaria para o novo psicanalista...


- Espero que eu me divirta dessa vez...

Larguei a binga de cigarro no cinzeiro. Apanhei o telefone próximo ao sofá e disquei o número. Na manhã seguinte eu estaria conhecendo o meu mais novo amigo semanal, por agora, nada mais me importava.

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