19/06/2010

Laço Eterno

           Jamais esquecerei a noite daquela quinta-feira chuvosa.  As lembranças ainda estavam nítidas demais em minha mente que era inacreditável que já tinha se passado três semanas desde então. O último beijo; a briga; o rangido da porta batendo atrás de você e, algum tempo depois, o telefone tocando; o acidente; você e, por fim, a morte. Exatamente nesta ordem.

            Hoje a chuva caía com a mesma violência lá fora e o vento sibilava movimentando as cortinas azuis que recebemos como presente de casamento. O azul delas não me parecia tão interessante agora. A televisão estava ligada, mas não era como se eu a estivesse assistindo, para falar a verdade, apenas a deixei ligada nessas últimas três semanas porque o silêncio era ameaçador demais para mim. Ele deixava evidente que você não estava mais aqui, vivo.

            Um relâmpago suave iluminou fracamente as cortinas. Eu permanecia, ali, imóvel encarando aquele aparelho e as imagens que se formavam em seu visor perfeitamente quadrado.  Uma luz entrou mais intensa através das cortinas azuladas seguida pelo estrondo violento de um trovão.       Onde quer que Thor estivesse, ele provavelmente estaria irado. Um leve sorriso de escárnio estreitou-se em minha face, mas este desapareceu imediatamente quando a televisão desligou-se. Tentei ligá-la novamente três vezes, todas falhas. Desisti depois disso, deduzindo que  provavelmente a TV havia queimado. Fechei as janelas e fui rapidamente à cozinha pegar um pouco de café; em seguida, iria para o quarto me deitar na cama e esquecer-me da minha própria existência. Tudo estava perfeitamente planejado, mas um vento frio me fez retesar.



            Um arrepio cruzou minha espinha, eu fechei as janelas. Não fechei?

          

            Voltei à sala ignorando o frio sobrenatural que aparentemente tomara conta da casa. Verifiquei as janelas e percebi que estava certa anteriormente, eu realmente havia fechado as janelas. A cada momento a situação parecia mais estranha. Algo me dizia que havia alguém ali, espreitando. Não é confortável, essa sensação. É desconcertante. Olhos por todos os lados.

          

              - Desculpe-me. – uma voz terna sussurrou em meu ouvido – Não foi minha escolha te deixar, Luísa.



Inconscientemente me virei para a direção de onde provinha a voz e vi você. Vivo? Morto? Não sei, mas era você. Gostaria de ter gritado ou falado algo, mas tudo morria em minha garganta. Você estava parado, idêntico a quando o vi pela última vez. Um corte feio em sua cabeça sangrava demais, a camisa estava rasgada e marcas de queimaduras em seu peito, onde o desfibrilador tentou lhe reanimar. E ainda havia o enorme buraco em seu abdômen, onde um pedaço de ferro entrou, saído das entranhas do carro para você. Eu amaldiçôo aquele motorista bêbado até hoje. A notícia de TV, a morte de você. Às vezes para de ser real e eu acho que tenho pesadelos.



             - Nunca foi e nunca será. - completou enquanto os braços frios e mortos me envolviam em um abraço. - Eu nunca poderia deixar você. - uma lágrima caiu sobre meu ombro.

             - Isso não faz sentido! Você está... - engoli em seco, mas fui interrompida antes de continuar a falar. Em meus olhos começavam piedosas lágrimas que rolavam pelo meu rosto, borrando o que restou de minha maquiagem.

             - Eu sei. - sua mão gelada pousou em minha bochecha, limpando os fios de lágrimas que escorriam ali – Seus sentimentos por mim mudaram?

             - Não. - respondi automaticamente – Mas e o “até que a morte os separe”?

             - Eu menti. – sussurrou e tomou-me em seus braços frios e mortos e eu finalmente soube que ficaríamos juntos não importasse o que, para sempre.

Um comentário:

HagiChevalier disse...

Romântico e Assustador. Gostei muito.